terça-feira, 27 de outubro de 2009

Contempla as palavras

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhes deres: Trouxeste a chave?

Autor: Carlos Dummond de Andrade

O'Neill e a modernidade na poesia

«(...) a nível do que poderemos considerar "adereços", não se esqueça de que a entrada da locomotiva na poesia se passou muitas décadas depois dos comboios andarem em circulação. Com o avião aconteceu o mesmo. A aclimatação da modernidade ou dos seus símbolos pela literatura é sempre mais lenta do que todos nós queríamos».

Autor: Alexandre O'Neill  (cit. Maria Antónia Oliveira, Alexandre O'Neill. Uma biografia literária, p. 267)

Sobre o poeta

«No chamado consenso geral (ou público) uma das aparências que o alienado ainda reveste é a de poeta. (...)
Pode acontecer que o poeta se desacerte ao abotoar-se, diga «perdão!» quando é pisado por vocês, faça uma declaração de amor a um marco do correio, não saiba ganhar a (vossa) vida... Pode acontecer. Mas acautelai-vos: o poeta é um distraído terrivelmente atento. A sua distracção é pura economia. Apostado em caçar o essencial, o poeta resvala de olhos vagos pelo que já viu e reviu. Ele sabe que até morrer nunca mais terá tempo».

Autor: Alexandre O'Neill  (excerto de prefácio publicado in Coração Acordeão)

Saudade

breve será vencedora
a morte com tal paixão,
se não estancas coração
esta dor que me devora.

ausente minha senhora
mil cuidados me dão guerra.
não logro paz cá na terra.

e o sono, que invoco em vão,
com a sua doce mão
nunca as pálpebras me cerra.
 
Autor: Al-Mu'tamid (1040-1095)

sábado, 24 de outubro de 2009

Quadras de António Aleixo I

Nas quadras que a gente vê,
quase sempre o mais bonito
está guardado pr'a quem lê
o que lá não está escrito.

_______

A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito.

_______

Embora os meus olhos sejam,
os mais pequenos do Mundo
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

Parábola de um homem cauteloso

Havia um homem cauteloso, que nunca ria ou chorava.
Ele nunca arriscava, nunca perdia, nunca ganhava nem tentava.
E, um dia quando morreu, o seguro foi-lhe negado.
Uma vez que, na realidade nunca tinha vivido,
a seguradora reclamou que nunca tinha morrido.

Autor: Desconhecido

Solta a Alegria

Solta a alegria! Que fique desatada!
Esquece a ansia que roi o coracao
Tanta doenca foi assim curada!
A vida e uma presa, vai-te a ela!
Pois é bem curta a sua duracao
E mesmo que tua vida
acaso fosse de mil anos plenos já composta
mal se poderia dizer que fora longa.
Que seres triste nao seja a tua aposta
pois que o alaude e fresco vinho
te aguardam na beira do caminho.
Que os cuidados nao sejam de ti donos
se a taca for espada brilhante em tua mao

Autor: AL MU'TAMID - poeta português do séc XI