terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Excertos do "Carnaval Literário" de Manuel Teixeira Gomes

Seria o cúmulo da habilidade - donde poderia sair uma sólida religião positiva - dar aos problemas algébricos forma de sentimento.

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Um pedaço de Lua mal talhada (em escama de peixe) que aparece agora de dia, no azul do céu, foi coisa esquecida do cenário da noite, quando o recolheram a bastidores.

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... com o espirito, coração e alma perdidos no labirinto de Londres, em cuja reconstituição os ocupava dia e noite. Daí abrolharam algumas horas de delírio, de loucura, durante as quais eu revia a série alucinante dos "olhares esquecidos", cuja luz, ou bruxuleante ou viva, ou estagnada ou moribunda, ou suave ou ofuscante ou pavorosa, sempre inquietadora, os meus olhos absorviam ao acaso do cruzar aventuroso pelas ruas da imensíssima cidade. Essa infinidade de "olhares esquecidos", reflectindo o azul profundíssimo dos lagos, os horizontes quiméricos dos mares, o luzir malicioso das estrelas, as prateadas tremulinas do luar, o frio cristal facetado das fontes, a mágoa dos malogrados crepúsculos, as estrias do verde fel com que se turvam o rios na passagem pelas cidades, ou o sangue do fogo rompendo o coração das trevas; essa infinidade de moventes jóias veio recamar as pregas mais secretas do meu roçante de viagem que eu ainda trazia pegado à carne, e que fosforecia de reverberações diabólicas, a cada movimento que da alma me passasse ao corpo. (...) Só me pesa uma dúvida: seria tudo o resultado de um prodigioso concurso ocasional de circunstâncias favoráveis, e tentar repetir aqueles dias não será arruinar com inevitáveis desilusões o maravilhoso edifício das minhas saudades?

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